Marco Bravo, vice-presidente da ACI Worldwide, diz que a relação do consumidor com o dinheiro vivo está em profunda transformação. Quem vai pegar um táxi hoje em dia, confere primeiro a bateria no celular do que o dinheiro na carteira

O varejo passa por um novo momento na gestão de pagamentos. Com o aumento da competitividade e da integração dos canais, as soluções oferecidas no checkout da loja pode fazer a diferença na decisão de compra.

No comércio, 40% do faturamento é obtido por meio de cartões e 39% das micro e pequenas empresas aceitam essa modalidade de pagamento. Além disso, 91% das empresas veem no uso do cartão de débito uma maneira de aumentar o tíquete médio das suas vendas, de acordo com a Mastercard.

Hoje, as transações via cartões de débito, crédito, comércio eletrônico, soluções P2P, entre outras, totalizam R$ 1,36 trilhão, em cerca de 13 bilhões de operações anuais.

Com o avanço das soluções digitais, novas opções substituírão parcelamentos com juros, crediários, boletos de papel e até mesmo o pagamento em dinheiro.

Em entrevista ao Diário do Comércio, Marco Bravo, vice-presidente da ACI Worldwide, que fornece pagamentos eletrônicos para mais de cinco mil organizações em todo o mundo, diz apostar em novos recursos e tecnologias de pagamentos para aumentar a competitividade dos negócios, melhorar a experiência do consumidor e ampliar as possibilidades de vendas.

Na prática, em que momento estamos quando falamos sobre pagamentos eletrônicos?

Diversas indústrias já passaram pelos movimentos de padrões abertos e globalização. O setor de telecomunicações passou por isto há décadas e a Internet foi resultado disto. O setor de energia passou por isto mais recentemente e hoje a energia solar da sua casa pode estar alimentando outra casa. Os exemplos mostram que padrões abertos geram valor para uma indústria e a indústria de pagamentos e seus usuários, todos nós, começarão a se beneficiar disto em breve.

A discussão de Open Banking em curso no Banco Central do Brasil e que já avançou na Europa é um grande impulsionador deste movimento e veremos seus efeitos ao longo dos próximos dois ou três anos. Um exemplo, será a possibilidade de integrações de pagamentos entre as diversas carteiras digitais que hoje já estão presentes no mercado mas que ainda funcionam com baixo nível de interoperabilidade.

Qual deve ser o impacto do Open Banking no cenário de negócios?

Da mesma forma que outras indústria experimentaram, os padrões abertos trarão mais competitividade para o mercado financeiro brasileiro e global. Não é desprezível o efeito que a redução do custo de pagamentos pode trazer através da liberação de um volume financeiro significativo na economia. Outros países, como a Malásia, chegaram a calcular o efeito direto de injeção de recursos na economia e crescimento do PIB, somente reduzindo o custo de pagamentos no país.

Em princípio, pode parecer um impacto negativo para a indústria financeira, porém a história mostra que todas as indústrias cresceram através de abertura de seus padrões. Em pagamentos não será diferente e embora as receitas por transação serão achatadas, os benefícios para todos será sentido pelo aumento de volumes ao longo do tempo.

Como a experiência do cliente com o pagamento para fazer a diferença para o varejista?

Até algum tempo atrás, o varejista entendia pagamentos como um mal necessário. Algo complexo, que envolvia risco e que gerava pouco diferencial competitivo. Os exemplos de um novo cenário já estão em todo o lugar. Quem vai pegar um táxi hoje em dia, confere primeiro se existe bateria no celular do que se existe dinheiro na carteira. No futuro, os modelos de negócio serão ainda mais inovadores, em particular com o crescimento da Internet das Coisas a ser habilitada por tecnologias como o 5G. A relação do consumidor com o dinheiro vivo está em profunda transformação.

As novas formas de pagamentos eletrônicos permitem enxergar o pagamento como um evento de relacionamento com o seu cliente e muito pode ser extraído desta relação. Os imensos volumes de dados oriundos de pagamentos abrem uma imensa oportunidade para conhecer melhor seu cliente e abordá-lo em situações cada vez mais específicas para seu interesse. A tradicional transação financeira de cartão física traz praticamente somente o valor na sua mensagem. No e-commerce uma transação de pagamento traz, além do valor, toda a descrição do que está sendo comprado. Ainda que as informações de privacidade do consumidor estejam sendo preservadas, os modelos de comportamento de compra em um determinado varejista podem ser analisados cada vez com maior nível de profundidade.

O que tem sido pensado para o sistema de pagamentos para pequenos e médios comerciantes – no sentido de tornar os processos mais simples?

Toda a complexidade do sistema de pagamentos global é oriunda basicamente do imenso volume de transações que existe com uma multiplicidade de atores pagadores e recebedores. Para suportar todas as relações comerciais possíveis em bilhões de transações por segundo, uma série de agentes apareceram na cadeia de pagamentos ao longo de décadas, pois a tecnologia não era capaz de processar os volumes envolvidos de forma simples. A capacidade tecnológica global além da existência ampla de terminais móveis celulares começa a habilitar esta simplificação. Hoje, qualquer celular já pode ser encarado como um possível terminal financeiro para receber ou efetuar um pagamento.

O varejista pode receber o valor diretamente em sua conta sem processos complexos de compensação e liquidação que eram absolutamente necessários no passado e que levavam dias para acontecer. O mais interessante é que tudo isto fica ainda mais evidente para varejistas de pequeno porte, que hoje já podem abrir uma conta digital instantaneamente e se livrar dos riscos da manipulação do caixa. Os custos ainda são elevados, principalmente para negócios de pequena margem, mas os aumentos de volume e a competição estão beneficiando uma enorme massa de varejistas.

Isso funciona até mesmo para varejistas com foco na classe C, D e E?

Com toda certeza, embora existam aspectos culturais a serem superados. Hoje ainda existe uma parcela significativa da população que não possui conta em banco pois os serviços financeiros podem ter um custo alto para estes usuários. Para a grande maioria destas classes, eles continuam fazendo transações em dinheiro. Muitas vezes até recebem no banco, mas sacam o valor total e passam o mês fazendo transações em espécie. Por outro lado, grande parte deste público possui relacionamentos fortes com grandes varejistas focados nas classes C, D e E. Estes varejistas possuem agora acesso à tecnologia para oferecer uma conta digital para o seu cliente financiada somente pelo giro dos depósitos nesta conta, sem maiores custos.

Evidentemente, os custos destas contas são muito menores devido aos baixos custos de conformidade ainda exigido pela regulação para os volumes de transações envolvidos em comparação com os bancos. Esta distância tende a se reduzir e incentivar a aproximação destas classes da diversidade de serviços bancários e com isto ampliar as oportunidades para elas e o consequente incentivo ao consumo, que é uma das molas da economia de um país de centenas de milhões de habitantes.

Como os consumidores têm reagido a essas novas experiências de pagamentos?

Talvez a melhor palavra seja ”confusos”. Neste momento, estamos passando por uma explosão de carteiras e serviços financeiros digitais. Em cada grande e-commerce onde se faz um checkout você recebe uma oportunidade para uma nova carteira digital. A pergunta que fica é: quantos aplicativos eu preciso ter? Eu consigo gerenciar meu dinheiro neste monte de aplicativos para tirar vantagem de tudo o que me oferecem?

Evidentemente que é um estágio de maturação da indústria onde todo mundo está investindo e nem todos sobreviverão. Cada um quer que seu método de pagamento seja vencedor sozinho. Novamente, o que passou em outras indústrias vai passar aqui também. Nem todos os métodos sobreviverão e os vencedores serão os que conseguirem atrair mais clientes ao se integrarem com todos os outros e se diferenciarem em um nicho específico.

Como podemos avançar tanto se ainda há pessoas sem acesso bancário e a outros processos digitais?

É verdade que muitos ainda não possuem acesso bancário e, como já falamos, muitos dos que tem conta em banco não usam a conta – apenas sacam todo o dinheiro e não podem ser considerados bancarizados. Entretanto, hoje existem quase tantos celulares no mundo quanto pessoas. No Brasil, na Rússia, na Itália, na Alemanha, na Hungria e muitos outros países existem mais celulares que pessoas. Então, a questão não é acesso à tecnologia. A questão é cultural e custo.

A relação do varejo como consumidor será o maior habilitador deste movimento, pois o varejo conhece o consumidor melhor que ninguém. Qualquer pessoa no mundo é um consumidor e o maior educador nos novos métodos de pagamento será o varejista. Por outro lado, muito se falou que isto poderia significar o fim das instituições financeira, o que é evidentemente algo que não irá acontecer de forma nenhuma, pois além delas possuírem um papel fundamental na gestão do risco do sistema financeiro, elas estão cada vez mais cientes de seu novo papel como auxiliar do varejo na inovação.

O movimento dos bancos com as fintechs é um exemplo claro disso. Muitos bancos têm se juntado a fintechs para ofertar através de dispositivos móveis novos produtos e serviços àqueles que não teriam acesso ao banco de outra forma. Em resumo, o futuro é entusiasmante para uma indústria por onde passa cada centavo que troca de mãos entre pessoas físicas ou jurídicas. A indústria de pagamentos como um todo, sejam os players oriundos do mundo financeiro ou os novos entrantes vindos dos varejos e das fintechs já se conscientizaram que o horizonte é enorme, mas cabe a cada um ser ágil e identificar seu papel rapidamente neste novo cenário.